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04 setembro 2009

Clarissa, de Erico Verissimo

"Onde estará então a menina em flor que corria no pátio atrás das borboletas?" (página 132)

Clarissa Erico Verissimo

Hoje pela manhã - antes de receber a notícia de que os estúdios Disney compraram a Marvel Comics - finalizei a leitura do livro nacional Clarissa (1933), que é o primeiro romance de Erico Verissimo e, conseqüentemente, o ponto de partida para a sua carreira literária meteórica.

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Sinopse: Clarissa é uma jovem de 13 anos que mora na pensão da tia enquanto estuda  em  Porto Alegre.  Curiosa, procura descobrir o mundo e a vida.  Observa com meticulosa atenção as pessoas que moram no pensionato e  na  vizinhança: Ondina, a  infiel  esposa  de Barata; Amaro, o músico triste e contemplativo; o distraído major Pombo; a conservadora tia Zina e seu desempregado marido;  a família rica que mora ao lado; e a viúva com o filho mutilado na casa à direita.

"Clarissa" mostra o despertar de uma adolescente para o mundo. No pequeno universo da pensão onde mora na capital gaúcha, a jovem entra em contato com realidades densas e misteriosas que seu otimismo juvenil não imaginava que existissem. (...)

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Eu acompanho a obra de Erico Verissimo desde o início de junho deste ano. Os seus primeiros livros constituem aquilo a que os críticos mais entendidos chamam de "Ciclo de Romances", que são vários livros com histórias diferentes, mas que, por se passarem no mesmo lugar (Porto Alegre) e no mesmo período (década de 30), acabam tendo os seus enredos entrelaçados.

Desse modo, por exemplo, a personagem Fernanda - do livro Caminhos Cruzados - esbarra com Amaro Terra - de Clarissa - e com Vasco Bruno - de Música ao Longe - no livro Um Lugar ao Sol, que por sua vez nos apresenta o velho doutor Seixas, que aparecerá mais tarde em Olhai os Lírios do Campo e Saga.

Esse embaralhamento de enredos e personagens é uma das coisas que mais me chamam atenção na obra do escritor gaúcho. De qualquer forma, vou me ater aqui ao romance em questão, isto é, ao primeiro do Ciclo de Romances: Clarissa.

Clarissa é uma história extremamente lírica, poética e romântica, coisa de que antes eu não gostava muito, mas que agora passei a apreciar. (Por que não um pouco de lirismo para nos fazer sonhar neste mundo tão grotesco?) O livro nos fala sobre a construção da personalidade de uma garota ingênua de 13 anos que, em contato com as pessoas e coisas da sociedade, começa a montar a sua impressão e o seu caráter diante do mundo.

Como resumiu muito bem um estudioso da obra:

"Na monotonia cotidiana da pensão de sua tia Zina, Clarissa é um raio de sol, uma mancha rutilante de alegria. É a poesia da vida no meio do realismo mesquinho. Nela, tudo encanta porque tem a inocência que a angeliza, e o sabor das coisas naturais que ainda não sofreram as deformações da sociedade... Clarissa é qualquer coisa de agreste e puro. Clarissa é música e é poesia. Menina e moça - olhos abertos para o mistério da vida. Alma que amanhece."

Confesso que não tenho muito o que dizer a respeito deste romance, a não ser o fato de que adorei e o recomendo aos demais fãs de Erico. Isso basta?

Naturalmente, Clarissa está abaixo dos romances posteriores do autor (?), mas esse detalhe não deve ser justificativa para tirar o seu brilho e a sua mensagem fundamental, que tanto inspiraram gerações e gerações ao longo dos anos.

A única imperfeição do livro - que sinceramente não chega a ser uma imperfeição - talvez seja aquela que o próprio Erico - sábio, como sempre - menciona em um prefácio de 1961:

"Como conjunto, talvez o principal defeito dessa novela seja o seu excesso, não de beleza - o que não seria para lamentar - mas de 'boniteza', de joliesse, de prettiness. Eu como que me esmerei em focar instantes pictóricos e poéticos, numa sucessão de haicais e aquarelas."

Com efeito, a linguagem do livro é laureada, dourada, extremamente poética e espichada; e isso confere à obra um caráter romântico quase irreal, o que muito provavelmente desagrada certos leitores contemporâneos. Talvez Clarissa seja uma grande poesia em forma de prosa, ou uma grande suíte sinfônica escrita em caracteres literários, caracteres esses que apenas os olhos de um leitor sensível conseguem captar.

"Céus, como você lê esse homem!", exclamou Natália, minha amiga de universidade, após eu lhe contar que estivera lendo o sétimo livro de Erico Verissimo.

"Ora... Ele é bom!", justifiquei. "Suas histórias impressionam pela narrativa poética e pelas tramas surpreendentes. É um grande escritor brasileiro, sem dúvida. Foi ele que me incitou a fazer as pazes com a literatura nacional. Sério mesmo!"

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Abaixo, uma das bonitas passagens de Clarissa que sublinhei. Aliás, esta é uma mensagem que está constantemente presente em seus livros: a busca pela liberdade, o sonho incansável de percorrer o mundo e se livrar da modorrenta, pragmática, claustrofóbica e enfadonha rotina da cidade:

"Uma vez, há muitos, muitos anos, um menino olhou o mundo com olhos interrogadores. Tudo era mistério em torno dele. Era numa casa grande. O arvoredo que a cercava amanhecia sempre cheio de cantos de pássaros. O mundo não terminava ali no fim daquela rua quieta, que tinha um cego que tocava concertina, um cachorro sem dono que se refestelava ao sol, um português que pelas tardinhas se sentava à frente de sua casa e desejava boa tarde a toda a gente. Não. O mundo ia além. Além do horizonte havia mais terras, e campos, e montanhas, e cidades, e rios e mares sem fim. Dava em nós vontade de correr mundo, andar nos trens que atravessavam as terras, nos vapores que cortam os mares. Nos olhos do menino havia uma saudade impossível, a saudade de uma terra nunca vista."

(VERISSIMO, Erico. Clarissa; páginas 34-5, editora Cia. das Letras, 5ª edição.)

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