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21 maio 2010

Infância, de J. M. Coetzee

"O coração dele é velho, sombrio e duro, um coração de pedra. Esse é o seu segredo desprezível." (p. 113)

Infância J. M. Coetzee

Hoje pela manhã, antes de sair para almoçar um delicioso peixe frito com minha melhor amiga, eu finalizei a leitura do romance Infância (Boyhood – scenes from provincial life, 1997), cujo autor, o africânder John Maxwell Coetzee, recebeu o Nobel de Literatura em 2002 pelo conjunto de sua obra.

Coetzee é o segundo Nobel que leio. O primeiro foi Saramago ("Saramargo", como diz Natália, minha amiga), com os romances Ensaio sobre a cegueira (1995) e Intermitências da morte (2005). Gostei dos dois, mas o estilo do português não me animou muito, e acabei deixando os demais para a outra vida, se é que ela existe. (Azar o meu se não existir.)

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Sinopse: 'Infância' narra em terceira pessoa o processo de formação da personalidade de John, um jovem cuja infância é solapada pela presença de um pai falastrão e perdulário, uma mãe apática e a realidade hostil e violenta da África do Sul pós-Segunda Guerra Mundial. Refugiado nos livros e na introspecção, John procura sobreviver à própria infância.

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Infância é o primeiro livro da trilogia ficcional autobiográfica que se segue com Juventude (2002) e Verão (2009), este último lançado recentemente pela Cia. das Letras. Só li o primeiro, e ainda estou pensando em ler os outros. Talvez valha a pena. Pelo que pude perceber através da leitura de Infância, Coetzee é um daqueles autores que, embora não tenham uma narrativa sublime, pelo menos fisgam o leitor de uma maneira diferente e fazem com que ele se fixe nos seus livros.

Ainda que as primeiras páginas não tenham me atraído da forma como eu esperava, me identifiquei bastante com inúmeras passagens da história. São coisas que aconteceram na minha infância e também na de Coetzee, e que estão lá no livro, retratadas todas de uma maneira fria, imparcial e quase masoquista. Coetzee sofrendo com os colegas truculentos da escola, Coetzee enfrentando obstáculos para tomar a decisão de que religião seguir, Coetzee tendo dificuldades de relacionamento com a família. Com essas e com outras passagens é inevitável o leitor se identificar.

Um ponto forte da obra é a sinceridade com que o autor conta aquela infância: uma criança relativamente mimada, detentora de poderes maiores do que o normal, que, embora seja ocasionalmente rude com a mãe, o pai e o irmão, sempre se vê em apuros fora de casa. O tipo de criança que tem imponência sobre o lar, mas, fora dele, está sujeita às outras crianças.

Algo interessante de se notar é que, ainda que seja comum em livros do gênero "desenvolvimento da puberdade", neste as reflexões sobre sexo são mínimas. Coetzee parece muito mais inclinado a relatar uma infância em que o principal marco foi a falta de referências dentro de uma sociedade, e não pensamentos povoados por delírios eróticos e atos masturbatórios, como geralmente encontramos em obras cujo objetivo é narrar a saga pubertária de alguém.

Quem conta a história é um narrador em terceira pessoa distante e onisciente, impiedoso, sempre pondo os verbos no presente. Uma das coisas bem originais e interessantes do livro é que o protagonista é sempre referido como "ele", nunca pelo nome, John (mencionado apenas uma única vez durante um diálogo). Isso prova que, quando um escritor quer ser excêntrico e inovar na maneira de contar histórias, pode fazê-lo sem grosseria, de modo fluido, cujo ritmo o leitor acompanha numa boa. Mas o escritor tem que ser realmente bom para tanto.

Outra característica muito chamativa de Infância é a quase ausência de diálogos. Alguém poderia parafrasear Alice e dizer: "De que servem livros sem gravuras ou diálogos?", mas aqui Coetzee nos mostra outra excentricidade que ele faz o leitor acompanhar sem sofrimento. Cedo você descobre que o diálogo não é exatamente o melhor que o livro oferece; descobre que o melhor está nas descrições dos sentimentos e dúvidas do protagonista, naquilo que ele faz e que um dia você também fez quando criança.

A melhor parte, sem dúvida, é quando ele está na fazenda Voëlfontein!

Conclusão: Um livro que vale a pena ser lido.

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Natália parte uma posta do peixe com o garfo, olha para mim e pergunta: "Você vai ler os outros dois, Juventude e Verão?"

"Talvez", respondo com o copo de refrigerante na mão. "Esse que eu acabei de ler foi um livro muito bom, mas ainda estou pensando no que fazer com o restante da trilogia. Para ser sincero, nem sei que qualificação dar-lhe no Skoob. Estou em dúvida entre 4 estrelas e 5 estrelas."

Ela franze o cenho. Pensa um pouco com os olhos voltados para o prato, e depois os põe sobre mim, sorrindo. Vai dizer algo importante, imagino. E diz mesmo:

"Se você está na dúvida, é melhor colocar mesmo 4 estrelas. Se fosse para colocar a nota máxima, você não estaria pensando nisso."

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Abaixo, disponibilizo o trailer do filme Desonra, baseado no livro homônimo de Coetzee. O filme é estrelado por John Malkovich e, pela prévia, eu me interessei bastante. (Atenção para a ótima fotografia geral da película.)

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2 comentários:

  1. Como sempre nunca tinha ouvido falar desse. Essa questão de não ter muitos diálogos me pareceu algo interessante, assim como a maneira de conduzir a trama, focando em seu protagonista. Vou ver se confiro depois.

    E gostei da sua amiga! "Saramargo" é uma alcunha perfeita para o Zé Saramago e a questão das 4/5 estrelas é muito precisa, tiro e queda.

    Abraço!

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  2. Além da economia de diálogos, a história também não possui nenhum tipo de clímax (coisa que eu esqueci de dizer na resenha), e isso pode deixar algumas pessoas incomodadas. Mas, como eu disse, é um livro interessante, vale a leitura. :)

    Ah, a Natália é mesmo boa em trocadilhos e conselhos! XD

    Abraço!

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