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26 junho 2010

O Palácio de Espelho, de Amitav Ghosh

"Uma vez conquistada, sua lealdade era dada com sinceridade, sem nenhuma daquelas condições não-expressas com que as pessoas geralmente se protegem da traição." (p. 57)

O Palácio de Espelho Amitav Ghosh

Aproveitando que a tarde de hoje estava silenciosa e fria, ótima para se sentar em uma poltrona, eu finalizei a leitura do romance épico O Palácio de Espelho (The Glass Palace, 2001), escrito pelo indiano Amitav Ghosh, autor também dos livros Maré voraz e O Cromossomo Calcutá.

Adorei. Simplesmente não conseguia desgrudar os olhos das páginas. Como diria um jornalista do suplemento The Times: "De tirar o fôlego. Não consigo imaginar outro escritor contemporâneo com quem seria tão estimulante ir tão longe."

Sendo assim, hoje eu não posso deixar de escrever uma resenha relativamente grande…

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Sinopse: Romance épico do indiano Amitav Ghosh, O Palácio de Espelho segue os passos de um menino órfão e pobre, Rajkumar Raha, surpreendido em meio à invasão britânica da Birmânia, em 1885. Às vésperas da expulsão da Família Real birmanesa, o menino se descobre apaixonado por uma bela pajem da rainha. Numa arrebatadora história de amor e guerra, a trama acompanha a trajetória de três famílias cujos destinos se entrelaçam, numa saga familiar que nos transporta a culturas distantes e nos transforma em testemunhas do fim da monarquia birmanesa e da ascensão e queda do império britânico.

NOVO! Leia capítulos do livro aqui neste link.

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Como eu já disse anteriormente, em resenhas passadas, Ghosh é um dos meus escritores preferidos, desde que o descobri no início do ano através do ótimo Maré voraz. Ele é dono de uma linguagem cristalina, refinada, poética e profunda (sim, todos esses adjetivos juntos) e, além disso, detém um poder imaginativo fora de série.

A trama que ele constrói e desenvolve em seus livros é sempre tão verossímil, tão coesa e ao mesmo tempo tão densa, que é como se ele já soubesse desde a primeira página tudo o que quisesse colocar nas próximas – como se a história já viesse previamente montada em sua cabeça e ele apenas a passasse para o papel. Seus personagens têm vida própria e quase ouço as vozes dos diálogos vindo do livro; quanto às paisagens narradas e os lugares evocados, quase os vejo diante dos meus olhos.

Existe ainda uma característica peculiar muito interessante presente nas obras desse indiano, pelo que eu pude perceber: todos os seus livros baseiam-se em extensos episódios históricos, e o que conduz a trama em larga medida são esses eventos verídicos que ocorreram em algum lugar do planeta, em algum momento da história da humanidade. No caso de O Palácio de Espelho, esse episódio histórico é a invasão britânica à Birmânia, no final do século XIX; o sucessivo sistema colonial; a Segunda Guerra, anos depois; e, por último, a ditadura implantada em Myanmar.

Porque a história se passa em vários lugares exóticos e diferentes (Índia, Birmânia e Malásia principalmente), não consigo imaginar os romances de Amitav Ghosh sem um mapa. Certamente a maioria dos seus leitores também não, e é por isso que o autor sempre nos brinda com um mapa bem legal no início de todos os seus romances. Eles são de uma necessidade mesmo enorme; sem eles, eu me perderia facilmente na geografia complicada daqueles países do sul da Ásia. Eu sempre parava a leitura quando surgia um nome de cidade desconhecido, para então recorrer ao tal mapa. Aí está o dito cujo:

Mapa que acompanha o livro

O enredo de O Palácio de Espelho é bem grandioso e detalhado, embora na sinopse da contracapa as editoras foquem apenas a questão do romance entre Rajkumar (personagem principal?) e Dolly, a fiel e belíssima pajem da Rainha. O escopo é muito maior do que o que essa história de amor aparenta oferecer; na verdade, ela é tratada apenas nas primeiras das sete partes. Depois, o livro toma outros rumos. Antigos dramas chegam ao fim e novos conflitos surgem, para serem resolvidos mais tarde, quando então novas tramas surgirão.

Aliás, esta é uma das melhores sensações que temos quando lemos um livro longo: sentimos o tempo passando, o peso das decisões, as personagens amadurecendo, as coisas ao redor sumindo e se transformando. Lembramos dos episódios passados já com certa saudade, nos simpatizamos com personagens, sentimos profundamente a perda de alguém. E os episódios narrados às vezes se situam tão distantes um do outro que nos pomos a pensar: "Como fulana era tola nessa época!" ou "Nossa, beltrano nem imaginava que isso poderia acontecer mais lá na frente!"

O Palácio de Espelho também se torna um romance particularmente interessante porque possui várias passagens surpreendentes. Ghosh é bom em dar reviravoltas e em espantar seus leitores. Fiquei muito surpreso nos momentos finais do livro, diga-se de passagem. Muito bons.

Curioso… navegando agora pela Internet, eu descobri umas fotos de Daw Aung San Suu Kyi, uma ativista política extremamente influente em Myanmar (por sinal, recebeu o Nobel da Paz em 1991). Ela aparece em uma passagem de O Palácio de Espelho, e seu discurso é ouvido na ocasião por duas personagens.

Shepard-Fairey-Aung-San-Suu-Kyi_thumb Aung San Suu Kyi [2]

Curiosidade: a música Walk On, do U2, foi feita em homenagem a ela.

Infelizmente, o autor de O Palácio de Espelho é pouco difundido aqui no Brasil, e os seus livros sequer chegam ao conhecimento do público como um todo. Tiro por mim: se não fosse o acaso, eu jamais entraria em contato com Maré voraz.

Conclusão: Amitav Ghosh é um escritor genial, e O Palácio de Espelho é, com certeza, a sua obra-prima. Não é apenas um livro que você lê: é um universo no qual você mergulha.

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Abaixo, um trecho que descreve a ditadura de Myanmar:

"A cada ano os generais pareciam ficar mais poderosos, enquanto o resto do país se enfraquecia; os militares eram como íncubos, sugando a vida de seu hospedeiro. (…) morreu na prisão de Insein, em circunstâncias que não foram explicadas. Seu corpo foi levado para casa com marcas de tortura e a família não teve direito a um enterro público. Um novo regime de censura foi instalado, desenvolvido a partir dos alicerces do sistema deixado pelo velho Governo Imperial. Todo livro e revista tinha de ser apresentado a um Comitê de Exame de Imprensa para ser lido por um pequeno exército de capitães e majores." (p. 558)

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Por fim:

Aí embaixo eu relacionei um vídeo caseiro do Youtube, que faz uma propaganda colorida do mais novo romance do autor, Mar de papoulas. Uma vez que o vídeo é português lusitano, o título aparece como Mar de papoilas. Como todos os outros livros de Ghosh, este recebeu vários elogios dos mais diversos periódicos literários do mundo. Vale conferir.

(Lembramos que Mar de papoulas será lançado aqui no Brasil pela Alfaguara, com data prevista para fevereiro de 2011. Informação exclusiva!)

6 comentários:

  1. Nossa, quando li a sinopse nem me interessei tanto pelo livro, mas essa sua resenha fez uma propaganda tão boa que me deu vontade de ler! rss
    :)

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  2. Olá, Marina! :D

    Que bom que consegui passar a minha empolgação para você! hehe
    Esse é um livro que merece ser lido, sim. Fica aí a dica. :)

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  3. Realmente parece ser um livro interessante. Entendi que ele mantem a coesão mesmo sendo muito longo, confere? Pois meu maior medo nessas obras extensas é justamente a coisa se perder no meio do caminho.

    Confesso que a premissa não é muito apelativa pra mim... na verdade parece que a premissa geral do Ghosh é sempre uma história fundada em cima de fatos históricos e reais. Mas de qualquer maneira quero dar uma chance, sendo bem conduzido acho que é uma boa.

    Oh, gostei da mudança do visual do blog :) Eu particularmente não gosto muito de imagens como plano de fundo, mas no seu caso ficou bem agradável. Sem contar que acho louvável a escolha de tons claros, a leitura se torna bem mais tranquila (o fundo escuro do anterior cansava os olhos rapidinho)

    Abraço!

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  4. Olá! :D

    Sim, pode-se dizer que esse livro mantém a coesão ao longo da narrativa, desde as primeiras até as últimas páginas. Convém lembrar que por "coesão" eu entendo como sendo algo verossímil; nesse caso de obras extensas, a coesão faz com que a história comece de uma maneira e termine de outra, bem diferente, mas tudo justificado devidamente pela tal coesão. Desse jeito, a história pode ser chamada de "coesa". ^^

    Sim, a premissa dos livros dele é sempre fundada em fatos históricos... Eu acho legal. Ele sabe fazer isso ficar interessante. :)

    Ah, valeu! Também achei a mudança do desing do blog bem legal. Esse plano de fundo faz parte dos novos modelos lançados pelo Blogger, e eu aderi logo a um deles - ao da xícara de café, figura antiga do blog, depois do gato branco japonês.

    Bem, é isso. Abração!

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  5. Cai no teu blog vinda do Mundo K; adoro procurar indicações de bons livros, romances... obrigada por esta bela resenha; além do mais, adorei o video de papoilas...

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  6. Antes de tudo, Ludmila, eu que lhe agradeço por visitar o meu blog! Seja muito bem-vinda aqui, fique à vontade.

    Sou fã de Ghosh e mal posso esperar pelo 'Mar de papoulas'... O vídeo nos deixa curiosos, mesmo!

    Abraço, e obrigado pelo elogio! :)

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Muito obrigado pela visita ao Gato Branco! Seu comentário será extremamente bem-vindo! :)