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13 fevereiro 2011

Admirável mundo novo, de Aldous Huxley

"O sentimento está à espreita nesse intervalo de tempo entre o desejo e sua satisfação." (p. 84)

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Sempre tive uma vaga vontade de ler o livro Admirável mundo novo (Brave new world, 1932), mas nunca consegui ter o ânimo nem o tempo necessário para tanto. Além disso, eu também não me sentia estimulado intelectualmente para encará-lo. Estar empolgado para ler algo sobre uma sociedade utópica baseada em 700 anos no futuro não era o bastante; eu tinha que estar, também, disposto a encarar um bom ensaio sociológico em forma de romance.

Acontece que, na semana passada, meu professor de Psicologia Social II indicou o mais famoso livro de Aldous Huxley como leitura complementar. Era o empurrão que faltava. Li o livro.

E o achei maravilhoso.


Sinopse: 'Admirável mundo novo' narra um hipotético futuro no qual as pessoas são modeladas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e as regras sociais, dentro de uma ditadura científica que torna o mundo absolutamente estável, feliz e inócuo.

Nesse mundo está Bernard Marx, um psicólogo que se sente desajustado na sociedade da Londres perfeita. Ao fazer uma viagem ao Novo México, Bernard traz para Londres um sujeito chamado John, tido como "selvagem" por pertencer a uma comunidade marginal cujos hábitos foram ultrapassados há séculos. Passando a residir em Londres, John, moralista e conservador, impulsionado por Bernard, começa a entrar em conflito com as rígidas regras sociais.


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O ano é 632 d.F. Ou seja, 632 anos depois de Nosso Ford, figura essa que substituiu Cristo depois da Guerra dos Nove Anos. Assim como no exemplar modelo fordiano de produção em série, tudo o que acontece no admirável mundo novo é fabricado em massa e distribuído como tal: diversão, trabalho, educação e até mesmo os seres humanos, que são produzidos em laboratório, aos montes, de forma organizada e conveniente, para depois serem separados em castas específicas.

Dessa forma, todos os dispositivos sociais assumem a sua função de serem, por excelência, voltados para as massas, para o coletivo. Não há lugar para a individualidade. Todos os espaços sociais são forjados de forma apropriada, para que as engrenagens dessa sociedade absolutamente estabilizada continuem funcionando, sempre em prol da união entre os indivíduos. É por isso que toda e qualquer atividade solitária – incluindo as que geram prazer ou estimulem o pensamento crítico, como a leitura – são desestimuladas.

No meu caso, o que mais chamou atenção no livro de Huxley foi a presença de uma promiscuidade explícita e natural no modo de vida dos indivíduos que compõem a Sociedade. Isso porque os administradores do Novo Mundo acreditam na idéia – sustentada por Freud, diga-se de passagem – de que os impulsos sexuais, quando não satisfeitos, tendem a desestabilizar os membros da Sociedade, uma vez que desejos reprimidos podem gerar sentimentos desatinados e perigosos para a ordem das coisas.

Reprimido, o impulso transborda, e a inundação é sentimento; a inundação é paixão; a inundação é loucura até (…) Reduza-se esse intervalo, derrubem-se todos esses velhos diques inúteis. (p. 84)

Por essa razão, desde bebês, os membros do Novo Mundo são condicionados à promiscuidade (entre outras coisas que satisfaçam os primitivos desejos humanos), seguindo ao pé da letra um famoso jargão de sua educação infantil: "Cada um pertence a todos".


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Analisando o romance nos dias de hoje, o elemento do sexo pode parecer uma coisa trivial, mas, para uma obra que foi publicada em 1932, isso constituía uma pura heresia, algo totalmente chocante e surpreendente para a sociedade. Fico imaginando a reação de alguns conservadores do início do século passado ao lerem a passagem em que as crianças estão brincando de jogos eróticos no jardim do parque. Não surpreende que o livro tenha sido proibido em muitos lugares (incluindo escolas) da época; não só na Inglaterra, mas em alguns pontos do Brasil, também.

Outra coisa muitíssimo instigante no futuro projetado por Aldous Huxley é que a comunidade mundial é dividida em 5 grandes castas: Alfa, Beta, Gama, Delta e Ípsilon. Enquanto as duas primeiras se ocupam com um trabalho mais mental e intelectualizado, as três últimas se encarregam do pesado trabalho manual nas corporações. E o x da questão é que todas as pessoas concordam com o estado em que elas vivem. Tanto as Ípsilons quanto as Alfas estão satisfeitas vivendo no espaço social que lhes foi destinado, sendo que as Alfas possuem uma consciência mais refinada da situação geral – e por isso, curiosamente, são um pouco menos felizes.

Bem, eu não vou abordar todas as milhares de questões levantadas pelo livro, não só porque a postagem ficaria imensa, mas também porque é melhor ler o romance sem muita idéia do que se pode encontrar pela frente. Além do mais, qualquer coisa que eu escrever aqui será incompleta e poderá trazer uma visão distorcida da obra. Portanto, vou me conter e apenas dizer que recomendo muitíssimo a leitura desse romance, tanto para os que gostam de ensaios sociológicos, quanto para os que também curtem uma história envolvente.


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Só posso dizer, por enquanto, que Admirável mundo novo foi uma leitura fascinante para mim. Huxley é extremamente ácido em sua ironia, em seu sarcasmo, e todas as páginas são recheadas de zombaria e deboche às convenções sociais – não apenas do Mundo Novo, mas da nossa própria sociedade, que se vê refletida em 632 d.F.

Aliás, a ironia do livro já começa no título.

~~

Tive o imenso prazer de ler Admirável mundo novo junto com uma grande amiga minha, a Gleici Ketlem. Pela indicação que eu fiz, ela baixou o romance pelo PC e começamos praticamente no mesmo dia, terminando também quase no mesmo dia. Descobri que ler um livro na mesma hora em que uma pessoa querida também lê é extremamente agradável. Valeu, Gle! Te adoro! :)


"Livraram-se deles. Sim, é bem o modo dos senhores procederem. Livrar-se de tudo que é desagradável, em vez de aprender a suportá-lo. Se é mais nobre para a alma sofrer os golpes de funda e as flechas da fortuna adversa, ou pegar em armas contra um oceano de desgraças e, fazendo-lhes frente, destruí-las... Mas os senhores não fazem nem uma coisa nem outra. Não sofrem e não enfrentam. Suprimem, simplesmente, as pedras e as flechas. É fácil demais." (p. 364)


Vale lembrar que o livro de Aldous Huxley foi adaptado para o cinema por Leslie Libman e Larry Williams, em 1998.

Por fim, deixo os leitores do blog com as palavras do próprio Huxley sobre ditaduras científicas e questões de ordem social no mundo de hoje. Ele morreu em 1963, no mesmo dia em que J. F. Kennedy foi assassinado.

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4 comentários:

  1. Marlo Marlo...

    o prazer de ler o livro em "sincronicidade" com a sua pessoa foi todo meu.

    E que venha Schopenhauer


    o "Te Adoro" é recíproco!

    Bjo

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  2. Legal Marlo que o seu curso o impulsione a leituras criativas e que mergulhe noutro patamar de tempo e espaço.

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  3. Pesquisando sobre O Admirável Mundo Novo, vim parar aqui. E devo dizer que estou encantada. Parabéns pelo blog.

    Um abraço;
    sua mais nova seguidora.

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  4. Lorrana, suas palavras me deixam extremamente feliz e agradecido! Muito obrigado pelo elogio e pelo encanto que você pôde sentir ao visitar o Blog.

    Será um grande prazer escrever as próximas postagens tendo em mente você como leitora.

    Grande abraço!

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