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24 abril 2011

A Garota das Laranjas, de Jostein Gaarder

"Ela tinha gosto de baunilha. Seu cabelo cheirava a limão fresco." (p. 85)

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Quando vislumbrei o feriadão da Semana Santa se aproximando, pensei: vou usar esse pequeno recesso para ler um dos dois livros que minha amiga Gleici me deu. Qualquer feriado de quatro dias é uma oportunidade para a leitura de um bom romance.

E o livro em questão não é outro que não A Garota das Laranjas, (Appelsinpiken, 2005), escrito por um dos mais populares autores contemporâneos: estamos falando de Jostein Gaarder, filósofo norueguês conhecidíssimo por seu célebre O Mundo de Sofia, que lhe deu projeção internacional como romancista no começo dos anos 1990.


Sinopse: Pouco antes de morrer, Jan Olav escreve uma longa carta ao filho de três anos e a esconde no forro de um carrinho de bebê, para que seja descoberta apenas quando ele for mais velho.

A história que o pai conta é do tempo em que ainda era um jovem estudante de medicina: a sua busca por uma moça desconhecida, que ele vê por acaso nas ruas de Oslo, sempre carregando um saco cheio de laranjas. Apaixonado, o rapaz persegue os diversos mistérios que cercam os seus encontros fugidios com a garota das laranjas, numa aventura que culmina numa grande revelação.

Repleta de mistérios e reflexões, A Garota das Laranjas aborda temas como a perda, reencontros e relações entre a família.


Extremamente cativante. Essa talvez seja a expressão mais adequada para que eu possa me referir a este livro tão simples e, por isso mesmo, tão gostoso. Gaarder acertou a mão quando escreveu A Garota das Laranjas, conseguindo, logo nas primeiras páginas, captar a atenção do leitor da maneira mais agradável possível – inclusive ao falar de assuntos relativamente delicados, como morte e o vazio que um marido deixa atrás de si, mesmo quando ele é substituído por outro homem.

A confrontação com a morte, aliás, é um dos temas mais presentes no livro. Isso para não dizer que ele está manifesto praticamente desde a primeira até a última página; afinal de contas, quem escreve a maior parte da história é um pai que está à beira da morte e sabe disso. Por essa razão, ao dirigir-se ao filho maduro com quem nunca pôde conversar, o pai procura incutir-lhe divagações filosóficas que dizem respeito à condição do Homem no mundo.


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Edições norte-americana e norueguesa, respectivamente


Mas o objetivo geral da carta que o pai escreve a seu filho Georg não é, necessariamente, apenas de cunho filosófico. O que Jan Olav de fato deseja é contar ao seu filho a sua relação de adolescente com a "garota das laranjas", lá pela ida década de 1970. E eu diria que é nesse relato da história de amor entre Olav e a garota das laranjas que o livro mais cativa. O que me agradou bastante foi ler, sobretudo, uma história de amor sem exageros, perfeitamente convincente, mas que nem por isso deixa de ser bonita, reflexiva, singela e calorosa.

Sim, calorosa.

Muitas pessoas julgam erroneamente A Garota das Laranjas pela capa, e ela de fato faz crer que o livro seja infantil, ou, no mínimo, muito infanto-juvenil. Tudo bem, a história diverte leitores de todas as idades, mas, como eu disse em um tópico de discussão do Orkut, a ingenuidade e a inocência do livro são apenas aparentes. Ele é recheado de sugestões que ficam soltas no ar, e que de certo modo são interpretadas de uma maneira peculiar por aqueles leitores não tão novos.

Me sinto inclinado a dizer que este é um romance muito maduro, muito "adulto", de certa forma. Existem certas coisas nas entrelinhas (certas reflexões, certos detalhes) que escapam a um olhar menos preparado e – vamos dizer assim – menos treinado pelo tempo. De qualquer forma, essa temática de entrelinhas foi uma das coisas que mais me fizeram gostar do livro; garante, acima de tudo, que Gaarder se dirige de diferentes formas a leitores de diferentes idades.


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Outros títulos do autor lançados no Brasil


É isso. Com o estilo característico de Jostein Gaarder, leve e fluido, a história traz um charme irresistível. Estamos diante de um "conto de fadas moderno", plausível, sem apelos fantasiosos.

Por fim, resta dizer que A Garota das Laranjas superou fácil O Mundo de Sofia, que era o único livro de Gaarder que eu havia lido até então. Não que o livro mais famoso do autor seja ruim ou vazio, longe disso. Apenas não me cativou tanto quanto o que li nesse feriado. O Mundo de Sofia me pareceu algo muito didático, uma obra que está mais para manual do que para romance propriamente dito. Não é à toa que o livro será usado como "apostila de estudo" em algumas escolas do Brasil, com o advento da disciplina Filosofia na grade curricular.

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Eu soube agora mesmo que há uma espécie de filme de A Garota das Laranjas, intitulado Appelsinpiken (título original do livro). Ao que tudo indica, é norueguês, e não teve repercussão alguma por aqui pelo Brasil. Quem conseguir baixá-lo pela Internet, por favor, me avise.

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17 abril 2011

A Suíte Elefanta, de Paul Theroux

"Os romances indianos que ela lera nos Estados Unidos não a haviam preparado para o que via ali." (p. 206)

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Ocupado como estou nessas últimas semanas, imerso em estágios e trabalhos da faculdade, eu ando deixando o blog como que entregue às moscas. O post mais recente datava de duas semanas atrás.

É horrível quando o domingo vai chegando ao fim e eu me dou conta de que não há nenhum livro lido recentemente, nenhum acontecimento extraordinário no meu cotidiano, nenhuma música que renda um texto. É desanimador.

Mas, decidido a escrever algo hoje, olhei para a minha estante e vi um livro que li há algum tempo e que merece um comentário: chama-se A Suíte Elefanta (The Elephanta Suite, 2007), e foi escrito pelo famoso Paul Theroux, norte-americano conhecido por suas viagens de trem ao redor do mundo.


Sinopse: A Suíte Elefanta é um livro ousado, que desmonta os lugares-comuns sobre a Índia ao apresentar ao leitor um universo complexo e multifacetado, de estranhamentos, preconceitos e situações extremas. Paul Theroux consegue, em três histórias, capturar esse mundo contemporâneo marcado pelo tumulto e ambição de um lado, e pela espiritualidade de outro.


Dividido em três grandes contos, A Suíte Elefanta sai do gênero "relato de viagem", bastante associado ao autor, e se situa no campo da ficção. As obras de ficção de Theroux, embora pouco conhecidas, são muitas. Talvez o livro de ficção mais famoso dele seja o desconcertante romance A costa do Mosquito (que possui uma sinopse interessantíssima e que ainda estou pensando em ler).

Comprei A Suíte Elefanta numa época da minha vida em que eu estava fascinado por viagens a lugares exóticos. Lembro também que li esse livro ao mesmo tempo em que lia Vinte mil léguas submarinas, de Jules Verne.

Curiosidades à parte, devo admitir que essas três pequenas novelas de Theroux me deixaram um pouco decepcionado – e aqui eu vou direto ao assunto. Depois que terminei A Suíte Elefanta e folheei alguns outros títulos do autor, pude comprovar aquilo de que eu andava suspeitando: Theroux se posiciona deliberadamente numa espécie de pedestal americano e, só então, com esses olhos irônicos de pessoa considerada pertencente a uma sociedade mundialmente tida como exemplar, julga os países exóticos que visita. Se essa não é uma postura usual do autor (e acredito mesmo que não seja), pelo menos ela ficou muito clara no livro em questão.


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"(…) suas experiências com mulheres eram poucas (…)"


Na primeira novela, um casal da alta sociedade americana se hospeda em um hotel indiano cinco estrelas que, com seu isolamento estratégico, deixa a confusão e o caos político da região do lado de fora. Os dois americanos, assustados com a agitação civil daquela região, se refugiam no conforto do hotel, onde ainda têm de tratar com funcionários duvidosos.

Na segunda história, um executivo norte-americano vai à Índia e, depois de deixar claro que repudia todo e qualquer contato com o povo local, acaba se relacionando (para o bem ou para o mal) com sujeitos indianos suspeitos – em especial, as prostitutas Indru e Sumitra.

No último conto, Alice, uma jovem norte-americana, arranja um emprego de professora de inglês para funcionários indianos de telemarketing. Aos trancos e barrancos, a coisa vai bem, até que ela se vê vítima de um terrível acontecimento, fruto de sua relação com o povo indiano. Não é preciso muita imaginação para perceber a sagacidade irônica de Theroux: o nome da protagonista, Alice, faz referência ao famoso título de Lewis Carrol, Alice no país das maravilhas.

Em outras palavras, a escrita de Theroux deixa transparecer o sutil preconceito que ele tem com relação a outros lugares e outras culturas. Na verdade, não se trata de um preconceito propriamente dito, já que ele vai até o país conferir tudo com os próprios olhos; trata-se, antes, de um leve deboche, de julgar a cultura alheia como inferior apenas pelo fato de ela ser diferente da sua – mais desorganizada e caótica, sim, mas movida por valores diferentes.


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"(…) um maluco magrelo e queimado de sol, usando um turbante e com um pano a cobrir-lhe o baixo ventre (…)"


Isso que eu estou falando pode soar como um discurso estéril e muito politicamente correto, mas a verdade é que me incomoda esse tipo de julgamento entre culturas. Em A Suíte Elefanta, esse pedestal de que falei antes fica claro quando o leitor percebe que, em todas as três histórias, os norte-americanos figuram como frágeis e manipuláveis, vítimas do caos e da crueldade da Índia, que os seduz e os leva a cair em tentação, quando não os aniquila mesmo.

Não estou dizendo que Theroux é um patriota defensor do estilo de vida americano (realmente não é, basta conferir algumas páginas de A costa do Mosquito), mas esse tipo sutil de preconceito que ele tem com relação aos países exóticos que escolhe para visitar me deixa com um pé atrás.

Lendo A Suíte Elefanta, eu fiquei com a impressão de que estava inconscientemente comprando os argumentos norte-americanos.


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"(…) era ela quem estava feliz no trem que sacolejava (…)"


Em todas as novelas, Theroux faz questão de frisar o quanto a Índia é suja e caótica, fedorenta e opressora. Não estou aqui para discordar disso, até porque esse quadro reflete bem o que eu imagino ser o país de Gandhi. Mas, levando em conta todo o contexto de vida do autor e sua influência sobre os leitores norte-americanos, ter uma posição tão irônica e desdenhosa para com o país em questão é algo discutível.

Por fim, repito uma coisa que pode ter passado despercebida: não acredito que todos os livros de Theroux sejam assim. Sei que ele é capaz de transmitir aos seus leitores o que há de melhor na cultura alheia, o que há de mais frutífero e encantador. No entanto, infelizmente, A Suíte Elefanta não se propõe a fazer isso. Pelo contrário, faz questão de mostrar um povo atrasado, feio, barulhento, fedido e suspeito. E foi aí que o autor errou a mão: nessa visão parcial e tendenciosa, quase incontornável.


Conclusão: se o leitor quer entrar em contato com o mais famoso escritor de relatos de viagem, recomendo outro livro dele para isso.

03 abril 2011

Eu sou o mensageiro, de Markus Zusak

"O assaltante é um mané." (p. 11)

Eu sou o mensageiro Markus Zusak

Mais uma vez, para não deixar o blog passar duas semanas sem atualizações, vou postar uma resenha sobre um livro que li há muito tempo.

Dessa vez, o livro que escolhi para ser comentado foi Eu sou o mensageiro (The messenger, 2002), escrito pelo jovem australiano Markus Zusak, colocado sob holofotes no mundo todo depois do estrondoso sucesso de A menina que roubava livros.


Sinopse: Venha conhecer Ed Kennedy. Dezenove anos. Um perdedor. Seu emprego: taxista. Sua filiação: um pai morto pela birita e uma mãe amarga, ranzinza. Sua companhia constante: um cachorro fedorento e um punhado de amigos fracassados. Sua missão: algo de muito importante, com o potencial de mudar algumas vidas. Por quê? Determinado por quem? Isso nem ele sabe.

O que se sabe é que Ed, um dia, teve a coragem de impedir um assalto a banco. E que, um pouco depois disso, começou a receber cartas anônimas. O conteúdo: invariavelmente, uma carta de baralho, um ou mais endereços e... só. Fazer o que nesses lugares? Procurar quem? Isso ele só saberá se for. Se tentar descobrir.


Comprei Eu sou o mensageiro por conta de uma promoção feita na minha livraria predileta, que, naquela época, dava uns bons descontos para os clientes assíduos. Agora não me lembro direito por que levei este, e não A menina que roubava livros, já que todas as bocas ao meu redor comentavam a mórbida narradora dessa história que tem a Alemanha nazista como pano de fundo.

De qualquer modo, lembro que li Eu sou o mensageiro com muito gosto, e, antes mesmo de chegar à última página, o tive como uma das melhores aquisições do ano.

Uma das coisas que mais surpreendem no livro é o estilo de narrar de Zusak. Até então, eu acho que nunca tinha visto nada semelhante. A impressão geral é a de que o narrador-protagonista está realmente conversando com o leitor, e não escrevendo um relato confessional. Até porque a história é contada no presente, e assim fica a forte sensação de que o livro é falado. Achei isso muito interessante, mesmo. O que contribui ainda para essa sensação de "livro falado" é a enorme freqüência de palavrões e gírias de todo o tipo. É um linguajar jovial, percebe-se desde o início, mas sem extremismos enfadonhos.

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A história das cartas de baralho chegando "por correio" lembra um pouquinho o universo de Jostein Gaarder, cujos livros sempre mencionam Às, Copas, Espadas e Paus – destaque para O dia do curinga, onde isso atinge seu ápice. De qualquer modo, eu diria que Eu sou o mensageiro possui uma relação qualquer com O mundo de Sofia; para não estragar a surpresa de ninguém, não vou comentar que relação sutil poderia ser essa.

Eu diria que Eu sou o mensageiro é o tipo do livro que amolece o coração. É uma história sobre compaixão, solidão, fracasso e, acima de tudo, amor. Muitas passagens são emocionantes de verdade e conheço muitas pessoas que lagrimaram lendo o livro. As partes finais são de fato as que mais comovem.

Poético, engraçado, comovente e sincero, Eu sou o mensageiro conta com um leque de personagens interessantes e bem desenvolvidos. Sem eles, o livro não daria certo, porque é a subjetividade e a personalidade de cada um que faz a história correr. Destaque para Porteiro, o cachorro de estimação do protagonista.

Recomendo Eu sou o mensageiro para todos aqueles que querem uma leitura leve, mas reflexiva.