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05 fevereiro 2012

Mar de papoulas, de Amitav Ghosh

"Era normal, nesses tempos, ser tão pródigo sem um motivo oculto?" (p. 198)

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Um autor que pretende escrever um romance que traga ao leitor, ao mesmo tempo, um denso contexto histórico-político-cultural e uma boa dose de entretenimento e aventura (de modo que nenhuma das duas partes saia perdendo), esse autor precisa ter uma imaginação muito fértil e um bom-senso geral que não é reservado a todos os escritores. Em todos os aspectos, é um trabalho admirável, porque o leitor não só é presenteado com uma história cheia de bagagem intelectual, como também toma parte em grandes aventuras, cheias de ação e suspense.

Foi por esse talento perspicaz que o suplemento literário do The Observer comparou o indiano Amitav Ghosh aos célebres Alexandre Dumas, Liev Tolstói e Charles Dickens; segundo o jornal, Ghosh possui o viés aventuresco do francês, a penetração psicológica do russo e o apelo emocional do inglês. Isso tudo por conta do romance Mar de papoulas (Sea of poppies, 2008), primeiro volume da ambiciosa "trilogia do Ibis", que se propõe a mergulhar o leitor no conturbado comércio do ópio perpetrado nas Índias Orientais do século 19.


Sinopse: É um romance épico, cujo pano de fundo são as guerras do ópio na China e no Extremo Oriente do século XIX. Ele narra a jornada do navio Ibis – uma embarcação inglesa que se envolve no perigoso comércio do ópio com a China – e sua inusitada tripulação, formada por oficiais ingleses, um americano mestiço, escravos libertos, fugitivos e condenados – cada qual com suas ambições e seus dramas pessoais. Ghosh descreve desde as dificuldades dos plantadores de papoula na Índia – com sua tradição e seus amores proibidos - até as lutas e os desejos dos inusitados tripulantes do navio.


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Amitav Ghosh é conhecido no mundo inteiro pela sua extrema dedicação ao contexto histórico em que suas histórias estão inseridas. Invariavelmente, ele passa vários anos estudando um assunto antes de escrever sobre o que quer que seja – e seu interesse já foi dos conflitos políticos na Birmânia ao exótico arquipélago das Sundarbans. No caso do romance em questão, consultando os mais diversos estudiosos, cronistas, linguistas e pesquisadores, Amitav reconstruiu a Índia da metade do século 19, imersa no mais exploratório mercado colonialista britânico. Lugares, costumes e eventos são tão fielmente retratados que é impossível não se deixar impressionar pela riqueza de detalhes que o autor se dispõe a relatar. A densidade desse contexto é tão profunda que faz de Mar de papoulas não só um romance, mas também uma espécie de documento histórico.

É comum achar que o excesso de detalhes factuais torna um livro enfadonho e monótono, porque não dá margem à criação de personagens envolventes e enredos originais. Isso não é verdade, principalmente quando o nome de Ghosh está no meio. Sua imaginação é tão larga e inventiva que, não raro, o leitor se surpreende com os caminhos que seus enredos geralmente tomam. Sua capacidade para envolver é muito grande, e mesmo nas passagens mais densas (que em Mar de papoulas não são muitas, aliás) nós somos levados a acompanhar o que ele escreve com o maior dos entusiasmos. Tudo o que passa pela pena do indiano parece se transformar em algo incrivelmente atraente.

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Esse talento de Ghosh em envolver o leitor nos mais diversos assuntos tem uma explicação: sua escrita. Dotada de uma beleza que não é comum de encontrar nos autores anglo-indianos, ela possui uma espécie de técnica característica do autor: sempre clara, sempre cristalina, sem hermetismos, sem turvar as suas águas para sugerir profundidade. Amitav Ghosh é um autor que sempre procura se fazer entender, e é isso o que o torna tão envolvente em muitos aspectos. Nada de meias-palavras, nada de buracos na trama; tudo é dito e explicado da maneira mais elegante possível, o que não deixa de pôr o leitor para pensar em muitas passagens.

A propósito, em Mar de papoulas Amitav Ghosh adquiriu um hábito que pode irritar alguns leitores: embora sua escrita seja lúcida e fluente, no livro ele não hesita em colocar uma centena de verbetes nativos entre os personagens, e nem sempre esse vocabulário excêntrico vem acompanhado de uma explicação, de modo que resta ao leitor pesquisar na internet ou tentar seguir adiante. A presença dessas palavras obscuras não interfere no andamento geral da história, necessariamente, mas pode ocasionar muitas paradas na leitura no caso dos leitores que não gostam de deixar nada passar batido. Para o bem ou para o mal, a verdade é que esses vernáculos só tornam a história mais verossímil e fascinante ainda.

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Ao longo do livro, somos apresentados a uma galeria de personagens tão díspares quanto originais, que amamos ou odiamos, dependendo de quais são as suas motivações e interesses. Particularmente, me afeiçoei muito à personagem Paulette Lambert, uma adolescente de origem francesa que nasceu em Calcutá e que é filha de um botânico amante de Rousseau. Existe algo de extremamente cativante em sua inocência, que aos poucos dá espaço a um amadurecimento mais perceptível, na medida em que o livro prossegue. Também gostei muito de Kalua, um simplório camponês que começa a história ganhando a vida como transportador de pessoas da aldeia para a cidade.

Ainda que seja dinâmico e fluído em sua linguagem e em sua história, acredito que o livro deva ser lido da maneira mais devagar possível; só assim somos capazes de assimilar a maior parte dos detalhes, a atmosfera e as sutilezas presentes na obra. É um livro apaixonante, sem dúvida, desde o capítulo inicial até a última linha: o tipo do romance que deixa uma espécie de saudade no leitor, fazendo-o rememorar constantemente determinadas cenas e diálogos. Finalmente, pela primeira vez na vida, posso dizer que estou ansioso pelo próximo título de uma trilogia que ainda está sendo escrita.


Mar de papoulas foi finalista do prestigiado Booker Prize, tendo sido eleito um dos melhores livros do ano pelos jornais The Washington Post, Economist e San Francisco Chronicle.


Mar de papoulas (2008)

Amitav Ghosh

536 páginas

Editora Alfaguara

Nota: 10/10

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