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18 março 2012

A questão do desestímulo à literatura nas escolas

Toda semana da minha vida parece conter em si um episódio que me faz pensar muito sobre como as coisas andam na nossa sociedade. Geralmente são acontecimentos simples, até meio bestas, irrisórios, mas que conseguem me lançar em uma verdadeira consideração sobre alguns aspectos cotidianos. Às vezes estou até distraído; mas quando esses eventos ocorrem, não consigo mais pensar em outra coisa senão no que eles despertaram em mim.

Ontem de manhã, participei de uma aula sobre pesquisa em banco de dados virtual na universidade. Essa é uma aula que, dentre outras coisas, nos ensina a acessar e usar os bancos de informação existentes no meio acadêmico relacionado às mais diversas áreas. Alguns domínios, como o Academic Search Elite, por exemplo, permitem ao aluno da universidade acessar artigos e livros científicos internacionais, publicados em várias revistas e periódicos de outros países. Aquele que domina a língua inglesa tem, praticamente, um mundo de conhecimento à sua frente.


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Quem tem medo de literatura clássica?


Mais ou menos no final da aula, a instrutora (uma jovem e inteligente bibliotecária) admitiu que, como ainda tínhamos algum tempo livre, queria nos mostrar "uma coisa interessante". Acessando o domínio do Portal da Pesquisa, ela começou a listar na nossa frente dezenas de títulos nacionais do campo da literatura clássica: "E isso aqui", ela disse, rolando a tela do computador em que aparecia uma miríade de links, "isso aqui nos permite ter acesso a grandes obras nacionais, aquelas que vocês leram no Ensino Médio, como Iracema, Dom Casmurro e O cortiço". Vi nomes como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e João do Rio.

Atrás de mim, uma menina resmungou: "Argh!"

Não tive como deixar de pensar que isso resume como a maioria das nossas escolas, ao invés de incentivarem o gosto pela leitura nacional consagrada, só tornam as coisas mais difíceis. Entendo que, quando os tempos mudam, mudam-se os gostos, e é no mínimo ingenuidade querer que os jovens de hoje apreciem e se deleitem com livros que foram escritos há um século, obras românticas que possuem linguagem arrastada, floreada e de difícil compreensão. Não é a idéia certa querer que louvem Machado de Assis ou José de Alencar. Não.

O problema é que nossos colégios de Ensino Médio (ou a maioria, devo frisar, para não cair em generalizações) não estimulam da maneira como deveriam a leitura e, principalmente, o respeito pelos clássicos brasileiros. Eu mesmo vim de um colégio do Ensino Médio cuja única preocupação era resumir as obras em estudos dirigidos e em simulados que sempre castravam nove décimos do valor artístico do livro. Pelo que soube mais tarde, através de colegas que estudaram em outras instituições, a realidade é a mesma nas mais diversas escolas do Brasil: transforma-se grande obras nacionais em apostilas de estudo, que você não deve ler por prazer, mas decorando cada capítulo como se fosse uma questão de vestibular em potencial.


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Edição de Iracema e O cortiço: por que tanta aversão por parte dos jovens?


Como eu disse, a relação dos jovens com os clássicos deve estar para além do gosto pessoal. É o que eu acho. Não penso que os adolescentes brasileiros do século XXI devam idolatrar Castro Alves, por exemplo, ou Visconde de Taunay. Mas eles devem, sim, entender a importância desses autores para a construção da nossa literatura – e da nossa identidade, conseqüentemente. E o respeito aos grandes clássicos é o mínimo que devemos exigir.

O que acontece é que a maioria dos professores não explica a importância do livro, seu contexto histórico, quando foi escrito, por quem foi escrito e, principalmente, com que finalidade foi escrito. A única coisa que dizem é: "Leia e estude, porque isso é questão de vestibular". Às vezes, destilam a biografia do autor de maneira sistemática e seca, transformando-a em dados a memorizar. Não há uma pessoa sequer que se sinta à vontade com isso. Por que reclamar dos jovens, se são as escolas que criam essa lógica, na maioria das vezes?

Aí aparece um suposto entendido do assunto e coloca uma pergunta na avaliação do tipo: "O que Machado de Assis quis dizer com 'olhos de cigana oblíqua e dissimulada'"? A resposta certa, aquela que deveria ser estimulada, é: nada que possa ser resumido em um item de questão objetiva. Mas quem vai se atrever a educar nossos alunos a partir desse princípio?

11 março 2012

O Brasil dos absurdos: a polêmica do Ecad

Depois de terem sido recentemente abalados pelos projetos de lei internacionais do SOPA e do ACTA – que visam censurar meios diversos de compartilhamento de arquivos na web e, inclusive, foram os responsáveis pelo fechamento de alguns sites hospedeiros como o Megaupload –, a Internet e o seu princípio de democracia sofreram mais um ataque legislativo esdrúxulo e sem fundamento. Dessa vez, estamos falando do âmbito do Brasil – o país das pessoas que, pelo visto, tentam ganhar dinheiro de todas as formas possíveis, mesmo que para isso atropelem o bom-senso e cheguem a apelar para uma legislação suspeita.

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No dia 7 de março de 2012, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) enviou uma cobrança de nada menos que R$ 352,59 para o proprietário do blog de design Caligraffiti, cobrança esta que seria apenas o início de uma taxa mensal do mesmo valor, caso os responsáveis pelo site continuassem a compartilhar vídeos do YouTube e do Vimeo. Naturalmente, o dono do blog argumentou que aquela idéia feria o princípio do trânsito livre de arquivos na Rede, mas o Escritório revidou com o seguinte argumento:

"O direito de execução pública no modo digital se dá através do conceito de transmissão presente no art. 5º inciso II da Lei 9.610/98, em que transmissão ou emissão é a difusão de sons ou imagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor; meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético. Portanto, isso inclui a internet".

Em outras palavras, poderiam dizer que, se o YouTube paga uma taxa pelo fato de permitir o compartilhamento de vídeos na Internet (atuando como transmissor de obras com direitos autorais), os blogs particulares, que divulgam esse mesmo conteúdo, deveriam pagar também. Mensalmente, uma quantia extorsiva de 350 reais. Na visão do Ecad, os blogs atuam como retransmissores, e os vídeos que são divulgados por eles contam como uma nova execução.

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Não demorou muito para que o caso repercutisse na mídia internacional. A revista de finanças Forbes, por exemplo, definiu a legislação brasileira como "absurda" e "extravagante", aplicando leis obsoletas que não se adequam mais aos tempos modernos. Para tornar a situação mais irritante ainda, sabe-se que o Ecad é um órgão privado e que, como todo órgão dessa natureza, almeja o lucro. É impensável que um órgão privado tenha sido eleito o responsável pela fiscalização do compartilhamento de obras com direitos autorais no Brasil.

Para quem ainda não está convencido de que o Ecad abusa da legislação e a interpreta de uma maneira totalmente favorável a ele, basta citar dois casos para lá de ridículos. No primeiro, um casal de jovens do Rio de Janeiro foi notificado por executar músicas em sua cerimônia de casamento. No segundo, uma rede de hotéis do Rio Grande do Sul foi intimada a pagar uma multa porque os hóspedes estavam ouvindo música dentro de seus quartos (!!!). Em ambos os casos, de acordo com a revista online Consultor Jurídico, os respectivos tribunais de justiça dos estados foram contra a decisão do Escritório. Felizmente.

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De qualquer modo, quanto ao caso dos vídeos compartilhados em blogs, o próprio Google Brasil já se pronunciou a respeito. Para a felicidade dos donos dos sites – e para alívio geral, na verdade – o Google diz que o Ecad não tem o direito de cobrar pelos vídeos que são transitados pelos blogs, pelo simples fato de que eles não estão sendo retransmitidos. O vídeo continua hospedado no YouTube, e o blog serve apenas como uma divulgação em potencial – mas quem continua reproduzindo é o YouTube, mesmo que essa reprodução se dê no domínio do blog. Cobrar os blogs por essas transmissões seria como cobrar alguém por estar escutando rádio em um volume alto: você está apenas compartilhando uma música que está no poder de uma emissora.

Mesmo que o problema esteja aparentemente resolvido com a colocação do Google, eu gostaria de finalizar essa crônica com uma observação extremamente pertinente do jornalista Ricardo Geromel, colaborador brasileiro na Forbes, que diz o seguinte:

"São necessários segundos para começar um blog usando o Wordpress ou o Tumblr. Embedar um vídeo em uma página é tão fácil quanto copiar e colar. Uma criança de 10 anos pode fazer isso tranqüilamente. Mas, no Brasil, blogueiros podem ter de pagar US$ 200 por mês por divulgar vídeos do YouTube em seus sites, mesmo que o YouTube do País já pague direitos autorais. E, de acordo com as absurdas leis de direitos autorais do Brasil, isso está surpreendentemente certo".

Portanto, nesse país onde as coisas absurdas são facilitadas pelas mais diversas instituições, é de bom tom tomar cuidado com o seu dinheiro. Porque há pessoas que estão de olho nele e farão de tudo para consegui-lo, mesmo que para isso tenham de se passar por ridículas.

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E aqui vai o vídeo de uma das minhas músicas preferidas, Alegria, Alegria, de Caetano Veloso. Tenham um bom dia!

Álbum: Caetano Veloso (1967)

05 março 2012

Red Dead Redemption: jogo e trilha sonora

"Passo na frente de um trem desgovernado, só para me sentir vivo outra vez."

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Quem anda constantemente atualizado no mundo dos video-games provavelmente já ouviu falar do jogo Red Dead Redemption, um dos mais badalados lançamentos do ano de 2010 para os consoles Playstation 3 e XBox 360 – plataformas para as quais ele foi produzido. Colecionando críticas elogiosas ao redor do mundo (média de 95% nos agregadores Metacritic e GameRankings), o game, desenvolvido pela empresa Rockstar (a mesma que nos deu a franquia do célebre Grand Theft Auto), vendeu mais de 2 milhões de unidades somente nos meses de maio e junho do ano em que chegou às lojas. Com essa marca de vendagem que não deixa de ser impressionante, elevou-se ao patamar reservado apenas aos jogos de maior sucesso de todos os tempos.

A história do jogo se passa por volta de 1911, no declínio do Velho Oeste Americano, e tem John Marston, um ex-criminoso, como personagem principal. Depois de abandonar a vida torturante e incerta de fora-da-lei, Marston é intimado pelo governo a colaborar na captura de três membros de sua antiga gangue. Acossado pelas autoridades, o anti-herói do jogo não tem escolha: sua família foi sistematicamente seqüestrada pelo governo, e Marston só pode vê-la novamente se aceitar capturar seus ex-colegas de bando e trazê-los para a luz da justiça.

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Bastam alguns minutos de jogo para que qualquer gamer reconheça que Red Dead Redemption possui um dos melhores gráficos  já produzidos no que diz respeito aos mundos abertos. (Um jogo de mundo aberto proporciona mais liberdade ao jogador, já que não há uma linearidade pré-estabelecida a ser seguida, mas, sim, um grande território no qual ele pode realizar, na ordem que preferir, pequenas missões que conduzem o enredo). Mesmo o cuidado com os detalhes do cenário são enormes, e prestar atenção em cada vestimenta, arma, ambiente, casebre ou cavalo é um passatempo divertido e muito bem recompensado.

Já joguei uma boa parte do jogo e, como eu disse antes, ele de fato possui uma qualidade ímpar. Mas o que verdadeiramente me motivou a escrever esta postagem foi a trilha sonora do game, que, na minha opinião, está à altura de tudo o mais que Red Dead Redemption oferece. Inclusive, dentre os diversos prêmios com os quais o jogo foi agraciado, estão o de "Melhor Música" e "Melhor Trilha Sonora Original" (segundo o Video Game Awards).

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Postarei aqui as duas músicas que mais me chamaram a atenção em todo o álbum gravado com exclusividade para o jogo. A primeira delas, Far away, foi composta e interpretada pelo sueco (filho de argentinos) José González,  recebendo, com justiça, o prêmio de Melhor Música em 2010. É um folk extremamente prazeroso e, de certa maneira, também melancólico. Para ouvir a faixa direto no Youtube, clique aqui.

(Ao que parece, a censura ao compartilhamento de cultura mostrou sua face mais uma vez, de modo que não consegui postar o vídeo diretamente aqui no Blog.)

A segunda música que gostei imensamente de ouvir é o próprio tema do jogo, intitulada, naturalmente, de (Theme From) Red Dead Redemption. Essa faixa, composta por Bill Elm e Woody Jackson, possui ares de grandiosidade crescente e lembra o conceito dos filmes antigos de western. Mais uma que vale muito a pena conferir. Por alguma razão, felizmente, consegui compartilhar o vídeo-áudio dessa música aqui mesmo. Confiram:

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(Caso, no futuro, o vídeo acima deixe de funcionar, ouçam a música no Youtube mesmo, clicando aqui).

Boa semana! :)