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31 julho 2009

O Resto é Silêncio, de Erico Verissimo

"Olha o mundo com uma curiosidade temperada de indolência e uma malícia misturada de ternura". (pág. 75, 20ª edição)

O Resto é Silêncio Erico Verissimo

Ontem pelo entardecer eu finalizei a leitura de O Resto é Silêncio (1943), romance nacional do escritor gaúcho Erico Verissimo, cuja obra estou lendo em rápida sucessão ao longo dos últimos tempos. Este já é o quinto trabalho que devoro do autor, depois de ter passado por Ana Terra, Olhai os Lírios do Campo, Música ao Longe e Um Lugar ao Sol - todos resenhados aqui, com exceção do primeiro. 

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Sinopse: Abril. Sexta-feira da Paixão. A queda de uma rapariga "loura, alva e franzina" de um dos últimos andares do edifício Império é o ponto de partida para unir o trágico acontecimento à vida de sete outras pessoas, testemunhas do fato. O escritor Antônio Santiago, alter-ego do autor e uma das personagens que testemunham a queda, encarrega-se de investigar o paradeiro da moça antes do acidente (que se tem por suicídio); e, ao longo da trajetória, percebe que "os seres humanos pouco ou nada sabem uns sobre os outros".

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Influenciado pelas novelas do escritor norte-americano Aldous Huxley - as quais traduzia para a Editora Globo -, Erico Verissimo incorporou a idéia de utilizar nos seus livros a técnica da "ausência de personagem principal" e das "muitas tramas entrelaçadas", coisa que não poderia deixar de acontecer em O Resto é Silêncio.

Particularmente, gosto das duas técnicas: sem personagem central, não há a preocupação de deixar as demais caírem no esquecimento ou se tornarem psicologicamente superficiais, tendo todas elas, pois, o mesmo valor; e por outro lado, as histórias entrelaçadas (batizadas de "contraponto", por causa do romance homônimo de Huxley) deixam o enredo bem mais interessante, sem dúvida.

É curioso notar que nos livros do autor sempre há uma espécie de molde caricatural de que ele se vale para construir as suas personagens. Por exemplo: temos amiúde o caso do "aristocrata pomposo" (Aristides e Ximeno, no romance em questão), do "politicamente revoltado" (Roberto, namorado de Nora), do "ingênuo e correto com ar professoral" (Antônio), da "apaixonada platônica" (Rita), do "pobre-diabo que faz reflexões filosóficas" (O Chicharro), entre tantas outras.

Lendo assim, tem-se a impressão de que estou zombando do método de construção do autor, mas não é nada disso - muito pelo contrário. Acho incrível que, apesar de o estilo das personagens estar sempre se repetindo, a história dos livros de Erico nunca deixem de ser interessantes e, sobretudo, surpreendentes.

Quanto à questão das tramas entrelaçadas, creio que este estilo de história esteja muito em voga nos dias de hoje. Não é mesmo? Tomemos o caso do longa-metragem estadunidense Crash - No Limite, ou do muito parecido Magnólia (ou ainda do espanhol Amores Brutos e do aclamado Babel): todos trazem uma miríade de personagens - em sua maioria, desajustados e díspares - cujos dramas acabam se misturando e se esbarrando ao longo do roteiro. E é justamente isso o que acontece em O Resto é Silêncio. (Lembro que, quando criança, eu costumava vibrar com este tipo de história, e cheguei até mesmo a esboçar o script de uma desse mesmo jeito. Parou na página 70.)

Quanto às personagens do romance, em si, é muito fácil gostar de todas elas. Como sempre ocorre nos livros de Erico Verissimo, suas personagens são pessoas sinceras (na maioria das vezes), simples, ingênuas, e que buscam um sentido paupável para a existência. No entanto, apesar da simpatia que senti por todas as figuras do livro, me senti bastante inclinado a identificar-me com duas delas em especial - femininas, a propósito: Nora e Marina.

Nora é uma das jovens filhas do escritor Antônio Santiago e possui uma espécie de cinismo e ternura que, misturados,  combinam bem comigo. A discussão que ela tem com o namorado Roberto, por exemplo, entre as páginas 289 e 297, é simplesmente marcante. Assumindo o papel do "politicamente revoltado", ele repugna os hábitos burgueses e, sem querer, na cena em questão, manifesta a sua antipatia denegrindo o costume que as mulheres têm de se pintarem.

E eis que Nora retruca: "Roberto, de fato a pintura das minhas unhas não é totalmente necessária. Assim como essa sua gravata, que também não me parece absolutamente indispensável". Nora possui ainda um desligamento da realidade tal que, em determinadas situações - mesmo as mais sérias -, ela consegue se visualizar como se estivesse representando um papel de teatro ou encenando em um filme. Vez por outra eu tenho a mesma sensação.

Marina, por sua vez, é a esposa do vaidoso maestro Bernardo Rezende, que está de passagem pela cidade de Porto Alegre a título de conduzir uma orquestra no Theatro São Pedro; assumindo o papel do "vaidoso deplorável", ele tem os olhos voltados apenas para a carreira em ascensão. A propósito da perda da pequena filha Dicinha em um passado distante - e da qual Bernardo não parece sentir a menor mágoa -, Marina acha o mundo triste, hostil e opaco, além de estar sempre na ânsia de encontrar algo que mude o rumo de sua vida.

Enfim... Estamos talvez diante de um dos romances mais maduros e profundos do autor, O Resto é Silêncio, sendo até mesmo considerado por muitos críticos estrangeiros como "a essência da literatura brasileira". É um romance também bastante sombrio, talvez o mais sombrio de sua obra.

Da minha parte, a minha confiança em Erico ainda está alta. Vamos esperar para ver o que Clarissa e Caminhos Cruzados têm de bom para trazer.

(Pequeno parênteses: lamento apenas o fato de eu, mais uma vez, ter sido vítima dos editores que insistem em colocar revelações de enredo nas orelhas dos livros e afins. Se bem que, nesse caso, confesso ter sido eu o único culpado: li sem querer a Crônica Literária que está no final da edição, sem nem mesmo ter acabado a leitura do romance. Tsc, tsc. Resultado: fiquei sabendo antes do tempo que a personagem... Ah, deixa pra lá.)

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Segue abaixo um dos trechos mais interessantes do livro, na minha opinião. Há outros tão e mais interessantes quanto ele, obviamente, mas resolvi transferi-lo para cá por causa da brevidade. Está localizado na altura da página 285 - 20ª edição.

É uma pequena passagem que trata de uma conversa entre o jornalista Roberto e o ex-tipógrafo O Chicharro. Este último e misterioso senhor, divagando, afirma:

"Você é muito menino, ainda não sabe de certas coisas... Mas viver é morrer em prestações. Cada criança que nasce assina com a vida um contrato de compra e venda... e nós nunca sabemos o prazo certo do vencimento. [...] A criança assina o contrato e o vendedor, que é a Morte, passa a cobrar as prestações anualmente. Cada ano nós morremos um pouco. Quando vamos ficando velhos, as prestações já não são anuais, e sim semanais. Por fim o contrato se vence. E o pior de tudo é que nós continuamos sem saber o que compramos. Por acaso você sabe?"

2 comentários:

  1. Excelente seu comentário sobre o livro! Acabei de ler e, embora sombrio, este livro me trouxe um raio de sol, pois a construção das personagens me fez conhecer mais o mundo. Caminho Cruzados é perfeito e a trama é parecidíssima.

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  2. Oi, Isabelle!

    Obrigado pela visita e pelo comentário! Seja sempre bem-vinda!

    Abraços,
    Marlo.

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