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30 agosto 2013

Anna Kariênina, de Liev Tolstói

"Você nem acredita que delícia é, para mim, essa indolência rural. Nenhum pensamento na cabeça, um vazio completo." (p. 243)

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Para mim, ler o que Liev Tolstói escrevia é não apenas uma experiência literária agradável, mas, principalmente, é também uma experiência estética humana que, boa ou ruim, faz você voltar os olhos para dentro de você mesmo e observar, nos recantos mais ocultos da sua alma, coisas que ninguém – nem mesmo você – sabia que existiam. Este é o poder que Tolstói tem e que tantos outros autores consagrados compartilham. A propósito, essa qualidade de destrinchar a alma humana é normalmente encontrada nos clássicos da literatura: naquelas obras que as pessoas não somente comentam, mas de fato leem. E leem porque é fascinante, em qualquer época e em qualquer lugar, descobrir naquelas páginas os segredos que estão por trás da nossa luta cotidiana contra os fantasmas de nosso espírito.

Anna Kariênina (Anna Kariênina, 1877) é um desses clássicos que roubam a alma do leitor. Tolstói, exímio escritor, incansável paladino dos textos claros e inteligíveis, parece contar neste romance uma verdade universal a cada frase. A começar pela primeira sentença da obra, uma frase famosíssima, que diz que todas as famílias felizes se parecem, mas que cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Ler Anna Kariênina não é uma experiência que passa batida. Ninguém que lê o romance de cabo a rabo, com atenção, pode dizer que chegou ao final com uma sensação de indiferença; não porque o livro mude completamente sua forma de pensar, mas porque é impressionantemente belo constatar que as mesmas questões de amor que moviam as pessoas há mais de um século são as mesmas que movem as pessoas de hoje.

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Cartaz do filme estrelado por Greta Garbo no papel de Kariênina, em 1935

Anna Kariênina é um livro sobre amor e eu me arrisco a dizer que talvez seja a obra definitiva sobre o assunto até hoje. Que me perdoem os imbatíveis Romeu e Julieta, que me perdoe o sonhador Gatsby, que me perdoe a dissimulada Lady Chatterley – e tantas outras figuras emblemáticas desse gênero tão visceral – mas a pulsante e sedutora Kariênina e toda a vasta gama de personagens deste livro de Tolstói nos explicam, em palavras simples e pontuais, o que é o amor e o que o amor pode fazer conosco. São 800 páginas que não falam de outra coisa que não o amor e, ao mesmo tempo, longe de cair em uma mesmice piegas e enfadonha, falam sobre praticamente todos os assuntos que ecoam muito interessantes e importantes até hoje – como a relação entre patrão e empregado, os dilemas metafísicos da existência, a vida de aparências na sociedade, as sutis particularidades do casamento, as guerras, e assim por diante.

Dizer que essas quase mil páginas são bem escritas é desnecessário porque, como Rubens Figueiredo conta na apresentação do livro, Tolstói era capaz de reescrever um mesmo parágrafo à exaustão até que, em seu entendimento, ele ficasse coerente, belo e profundo, digno de ser lido. E não somente isso: a própria estrutura do romance, sua arquitetura, revela um esmero particular, pois é dividida em 8 partes de praticamente mesmo tamanho, através das quais a obra destila toda a sua sincronia. Observar com cuidado a parte técnica de Anna Kariênina nos faz perceber que estamos diante de uma obra de arte, no sentido palatável do termo.

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Cena do filme dirigido por Joe Wright, adaptação de 2012

Anna aparece pela primeira vez no romance muito depois da primeira página, mas, quando ela aparece, o leitor entende por que o título do livro leva seu nome. Anna é uma mulher absolutamente apaixonável, se podemos dizer assim. Convidada pelo irmão para resolver um assunto de família em Moscou, Kariênina mostra-se ao leitor sob uma luz quase celestial: é forte, decidida, independente até onde uma mulher do século XIX poderia ser, simpática e, acima de tudo, linda. A partir de sua aparição, o principal grupo de personagens da história começa a despontar, e o narrador, sempre cadenciado, sempre sereno, revela ao leitor os dilemas e as dificuldades que atormentam estes personagens. E as angústias dessas figuras fictícias soam tão reais e palpáveis quanto poderiam soar as angústias de pessoas de carne e osso.

Embora o romance tenha um número bastante elevado de páginas, tem-se a impressão de que não há uma única palavra fora do lugar. O narrador observador, onisciente e onipresente, não é autoritário e, assim, não desrespeita a existência dos personagens: ele é apenas pontual, objetivo, descrevendo emoções, sensações, fatos e conflitos com a precisão de um cirurgião. Cheguei a ficar 30 minutos segurando o livro na mesma página, incapaz de virá-la porque o que eu tinha acabado de ler era tão belo e tão marcante que eu tinha a certeza de que não conseguiria me concentrar mais em outra coisa.

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Não quero estragar a experiência dos futuros leitores de Anna Kariênina e, por isso, paro esta resenha por aqui. Falar muito sobre o livro seria um desserviço. O que quero dizer é que não há resenha de tamanho adequado para comentar todos os pontos dessa obra – nem isso é desejável. Existe um suave prazer em ser surpreendido a cada nova passagem e acompanhar o lento caminhar da história. E, ao chegar à última página, compreender que aquele romance tão pesado e tão preciso agora faz parte de nós, pelo resto da vida.

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